Conflito entre razão e loucura na saga de Zé Pimba
Nos dias atuais, quando alguém pronuncia a palavra “novela”, logo vem às nossas mentes os folhetins que se tornaram o maior produto de consumo interno e para exportação da televisão brasileira. E não estamos de tudo errados nos remetendo a elas, mas não estamos falando delas aqui.
O que nos chega às mãos para leitura é uma novela no sentido original da palavra, remontando a própria literatura renascentista no seu rompimento com a tradição literária medieval. Colocando-se entre o conto e o romance, a novela tem como característica um conflito principal, sobre o qual orbitam todas as ações, personagens – em número reduzido – e conclusão do enredo.
E assim se comporta “A doida paixão de um doido”, do sertanejo de Sousa (PB), escritor e poeta cordelista Geraldo Bernardo, já conhecido pela publicação de diversas obras. Ambientada no sertão, com sua aridez, costumes, linguajar e folclore por demais dominados pelo autor, a novela em tela tem como protagonista um “rapazote” que, ainda tão novo e sofrendo um pequeno revés, perdeu o nome próprio como é comum na região, sobretudo nas comunidades rurais. Deixou de ser José (já sem sobrenome), para ser Zé Pimba, como tantos Zés que ganham um apelido por sua uma característica própria, laço familiar ou qualquer circunstância.
Contada por um narrador-personagem, que interage com outros personagens flutuantes, convidados para escutarem as aventuras e desventuras de Zé Pimba, moleque criado sob os maus tratos físicos e verbais do pai e vítima dos flagelos da seca – inclusive com uma passagem que flerta com “Vidas Secas”, de Gaciliano Ramos, com a família precisando se “retirar” de um lugar para outro em busca da mínima sobrevivência.
No melhor estilo Sherazade – aquela das mil e uma noites, mesmo -, a quem chega a evocar, o narrador seduz os seus “ouvintes” fatiando a saga de Zé Pimba em vários encontros, como que para não perder a plateia, deixando sempre um “gancho” a cada final de capítulo. E assim, com essa manha, consegue prender a atenção de todos, como prenderá também a dos leitores, pela curiosidade em saber logo o desfecho dos “causos” vividos pelo intrépido protagonista.
Como todo bom enredo precisa de uma boa complicação, a que aparece na vida de Zé Pimba atende pelo nome de Daquina. Apaixonado, ele faz de tudo para chamar a atenção da “filha moça de Zé Preá”, metendo-se em alguns aperreios por causa dela, como a malfadada pescaria que inventou de fazer um dia.
Escrita inicialmente como cordel e adaptada pelo próprio autor para a narrativa corrida, “A doida paixão de um doido” mantém muito do formato original, sendo possível o leitor se pegar lendo rimando entre uma frase e outra, o que não prejudica a leitura – às vezes até auxilia na construção da própria imagética proposta por Geraldo Bernardo, do alto da sua experiência.
A novela, em si, é de uma leitura fácil e envolvente, não só pela quantidade de páginas, mas pela condução dada pelo narrador-personagem, íntimo do protagonista, a quem chega a chamar de “Romeu sertanejo”, por dominar toda a sua história de vida.
A Arribaçã Editora tem, então, o prazer de convidar a todos para “emprestar as ouças para ouvir”, junto com os outros convidados e quantos mais forem chegando, as proezas de Zé Pimba, sempre na tênue linha entre a razão e a loucura de cada um.