Wilson Alves-Bezerra e o perfil poético de um país sem rumo

Simone de Bauvoir e Jean-Paul Sartre acreditavam que os escritores precisavam ser engajados. Palavra eram ações, defendiam. “Os escritores que tinham tomar partido”, era um dos lemas do casal mais famoso da literatura mundial.

Penso que o engajamento do escritor, do artista de uma forma geral, é necessário para a catarse do leitor, do espectador. Na música brasileira, creio que tivemos o auge do engajamento artístico nos anos 1960/70, onde pontificou Chico Buarque de Holanda e a música de protesto. Na poesia, temos diversos exemplos de engajamento social e/ou político e citaria dois aqui: “Poema Sujo”, de Ferreira Gullar, e “A Flor e A Náusea”, de Carlos Drummond de Andrade. Mas vejam que não falamos de engajamento partidário, mas sim social e político.

É esse engajamento que Wilson Alves-Bezerra provoca no livro “O Pau do Brasil” (Editora Urutau, 2018), em sua terceira edição. O autor explica que quando a obra foi concebida e escrita num espaço de sete dias, em meados de abril de 2016, era um livro-reflexo, uma reação espontânea aos passos decisivos ao impeachment da então presidente Dilma Roussef. Momento mais que oportuno para escrever e publicar tal obra. Tenho dito que os artistas e escritores do nosso tempo precisam arriscar mais. E não apenas em experimentações de linguagens. Na verdade, precisam não ter medo de se expor, de tirar a máscara por trás do eu-lírico.

O livro de Wilson Alves-Bezerra é uma forma de fugir desse comodismo literário da grande maioria de poetas, que vivem mais de metalinguagem do que de poesia. E o livro começa com uma referência, no título, ao gênio de Glauber Rocha – “Terra em Transe” -, embora a lírica questione “quem restitui a um país o oxigênio de seus nasais algodoais; a malícia da musa cafuza trepando no palanque”. Então, “vamos a orgia dos ratos”, conclama o poeta.

O engajamento do eu-lírico de Wilson Alves-Bezerra é carregado de ironias, com “meu ex-presidente bandido”, como nesse trecho:

“Meu candidato é o pastor, nada nos faltará. Assim era no tempo da ditadura, diziam, mas ele aprendeu mesmo nos intervalos do culto, pois havia ratos no banheiro da Igreja”, diz com extrema sintonia com a realidade que vivenciamos hoje no cenário político e social do Brasil, pois “Assim será a terra de Jubiabá, ancas para os governantes e dedicação infinita para nós”.

Como não lembrar de Gregório de Matos na série de textos de “História do Brasil – período contemporâneo”? Em “A Carta” o vice reconhece ser decorativo e que é alvo de desconfiança da presidente. Em “Retrato do Brasil”, o medo da República de Curitiba. Em “Uma ponte para…?”, um tom brechtiano. Em “Direitos trabalhistas”, a ironia com as reformas que prejudicam os trabalhadores

Wilson Alves-Bezerra não tem meias palavras na maioria dos poemas do livro. “Vomito ódio em suas tetas de macaca, Brasil, desempaca!”, expõe em um poema. “Eu não acredito em voto: eu mando, eu mato”, esbraveja em outro. Em “História do Brasil – período extemporâneo”, Wilson Alves-Bezerra traça perfis da iniciativa privada, do Executivo, Judiciário, Legislativo, Imprensa Livre e da Igreja. Lemos, ainda, no livro, “Textos do Inferno”, “Relatos em três por quatro”, “Não Ninguém Nunca”, “Tragédia e farsa”, “República Federativa dos Tiros”, “Supremas palavras”, “Cova rasa” e “Cadernos do Cárcere”.

“O Pau do Brasil” é o retrato absoluto, através da poesia, do que vivemos no país hoje, com as instituições desacreditadas, os políticos desmoralizados, as religiões querendo se impor e um governo que não sabe como governar. Afinal, continuamos em nossa “Vida de gado”, como afirma um dos poemas:

“Esse pato representa a indignação das pessoas.

O povo brasileiro é um povo do bem.

O pato, com este olhar de paz,

é a forma brasileira de protestar”.

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