“Que tiro foi esse?”
“Crônica para um tiro”. Juro – assim, simples e trivial -, seria batizada esta crônica – como fazem os cronistas de verdade -, mas me veio à memória o título do maior “sucesso” do Carnaval de 2018 – já devidamente jogado na lata do lixo, como todos os seus antecessores – e que me suscitou algumas respostas – subjetivas, é claro. Vamos a elas, não necessariamente na ordem a seguir.
Esse tiro foi o que acordou Cajazeiras – nos confins da Paraíba, nos confins do Nordeste, nos confins do Brasil – na madrugada de 16 de maio de maio de 2018. Foi o tiro que tirou o sossego de um casal que, há anos, vem trabalhando nas madrugadas de Cajazeiras para sobreviver, gerar emprego e renda – pagando aluguel, energia, água, fornecedores -, atender sua clientela da melhor forma, etc – como tantas outras famílias da cidade e região, ameaçadas e encurraladas.
Esse foi o tiro que matou mais um jovem, quase criança – como os de maio de 2004, que mataram José, Cícero e Demétrius, guardadas as diferenças e circunstâncias de cada caso. Foi mais um dos tiros que têm matado tantos jovens e adolescentes na pequena Cajazeiras e seu entorno. Foi o tiro que levou mais uma mãe a ir buscar seu filho na pedra gelada do necrotério, não cabendo aqui qualquer pré-julgamento sobre isto ou aquilo.
Foi mais um tiro que revelou a crueldade do submundo do crime, por onde enveredam cada vez mais crianças, adolescentes, jovens – e até famílias inteiras, levadas por seus motivos particulares. Foi um tiro que mostrou à pequena Cajazeiras, mais uma vez, que ela não é muito diferente dos grandes centros urbanos do país chamado Brasil – que dispensa qualquer maior comentário.
Foi o tiro que tirou de circulação o temido Gabriel, de 20 anos, “com uma longa ficha criminal” – fazendo a cidade acordar mais cedo em pleno meio de semana para acessar os blogs policiais, ouvir os noticiários das rádios e fazer o uníssono coro de “menos um”.
Foi o tiro que fez Cajazeiras, São José de Piranhas – de onde era Gabriel – e outras cidades da região sentirem-se mais aliviadas por ser só mais um bandido morto – lembrando a máxima de que “bandido bom é bandido morto”.
Foi o tiro que nos relembrou – sem qualquer dó e piedade – as nossas falhas familiares, sociais, educacionais, sanitárias, econômicas e tantas outras – que precedem as de segurança pública. Não precisa ser sociólogo ou coisa que o valha pra saber disso. Basta olhar para os lados.
E não precisa ser cronista para escrever sobre isso.
*Editor da Revista Destaque e do destaquepb