Crônica para minha mãe

Lenilson Oliveira

Todo cronista, alguma vez na vida, já escreveu sobre suas próprias dores. Coisa mais comum, talvez, para um poeta, exímio fingidor que “finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente”.

Mas o que um cronista faz é pura prosa-poesia – grita um leitor com um senso mais apurado. Deveras. A carga poética de uma crônica, na maioria das vezes, é o que dá a sua medida.

Vejam isso. Manhã de domingo e eu aqui divagando, sem saber como iniciar uma crônica sobre as minhas dores dos últimos dias. Dores, no plural mesmo, já que resolveram se juntar todas para fazer morada no meu coração em uma quinta-feira de janeiro de 2021. Dores que se abateram sobre mim e os meus como uma nuvem negra, anunciando a partida da nossa guerreira para o plano espiritual, depois ter vencido tantas batalhas ao longo da vida terrena, sem nunca ter sua fé em Deus e sua prática católica abalada por um segundo sequer. Muito pelo contrário, fez disso o seu sustentáculo, a sua base para uma vida de 80 anos. Assim como aprendeu com sua mãe.

Talvez as dores da minha família devessem permanecer no foro íntimo e nem ensejem alguma leitura, mas esta crônica me persegue, querendo vir à luz, desde a madrugada em que fiquei querendo parar o tempo para não ter que assistir ao nascer do sol da sexta-feira com a chegada da minha mãe pela última vez à sua casa, para ali permanecer o seu último dia, recebendo suas visitas.

Desde aquela madrugada e durante toda a sexta e o sábado, as palavras para esta crônica dançam na minha cabeça e ainda não sei se as estou utilizando bem. Se não, já deixo as minhas desculpas. Por oportuno, abro parênteses aqui para dizer que ela sempre foi das primeiras pessoas a ler o que eu escrevia, desde minhas poesias e crônicas em jornais e revistas, os editoriais da Revista Destaque, os textos nos livros da Arribaçã, posts no Facebook…

Verdade é que o cronista não sabe fingir tão bem quanto o poeta e acaba pessoalizando o seu texto. O poeta, não. Este sabe ser abstrato, impessoal, quiçá impassível diante da realidade, por mais dura que lhe seja ou pareça.

Não queria usar aqui a palavra “saudade” – aquela que dizem só existir na língua portuguesa -, mas me parece impossível, por ser, talvez, a única que consiga expressar o que sentimos agora – os meus e eu. Saudades da sua presença, dos seus cuidados, das suas histórias, das suas orações por todos nós, do seu sorriso, da sua serenidade diante das dificuldades – talvez a sua maior lição em vida.

Acho que já está bom. As palavras começam a travar novamente e, com certeza, dona Socorro já leu esta pequena crônica – a mais pessoal e doída de todas – antes de todo mundo.

 

Cajazeiras (PB), 24 de janeiro de 2021

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