Maria Valéria Rezende critica isolamento das crianças provocado pelo celular e diz que a arte vai unir e renovar a alegria de existir

“A arte vai nos unir. Já que a reivindicação de uma escola na esquina não tem mais sentido, porque já tem a escola. Hoje tem essa enorme carência de vida comum, de simpatia. Uma biblioteca comunitária num bairro onde você não vai só se encontrar com os livros, você vai se encontrar com os outros leitores, vai poder comentar, é fundamental. São espaços de vivência em que a gente renova a pujança da vida humana e a alegria de existir”. A análise foi feita pela escritora Maria Valéria Rezende, em entrevista ao programa Destaquepb, neste sábado (22), na Rádio Alto Piranhas.

Maria Valéria Rezende veio a Cajazeiras para inauguração da Biblioteca Comunitária que leva o seu nome, localizada no bairro São José, zona norte da cidade. Em peregrinação pelos sertões do estado, a partir de João Pessoa, a escritora disse que a Paraíba mudou e progrediu. “Dá uma impressão de prosperidade quando a gente olha para a paisagem. Eu procurei uma casa de taipa e palha, não tem mais nenhuma. É tudo tijolo e telha. O comércio, dá sensação de crescimento econômico. E é real. Vim para Paraíba em 76. O mundo, a zona rural mudou muito”, disse ela, que é natural de Santos (SP).

Para ela, isso também é efeito de toda mudança tecnológica nesses últimos anos. “As pessoas mudaram muito. E uma das coisas mais graves, que é recente, começou com efeito da tecnologia, do celular, que tende a fazer você se isolar dos outros. Através do celular você vai encontrar respostas para suas aspirações, seus desejos, e por outro lado, com a pandemia, que nos obrigou o isolamento, isso foi agravado. A gente pode estar materialmente muito mais satisfeito, com alimentação e moradia, mas a gente não é só isso, a gente precisa do outro, precisa da comunicação, do afeto, e isso foi muito prejudicado”, comentou.

Para Valéria, a pandemia, com o governo Bolsonaro junto e o crescimento acelerado dos recursos tecnológicos produziu um momento em que se não for feito algo para corrigir, leva ao isolamento das pessoas. “Gosto de lidar com crianças. Incrível que tem muita criança que não sabe brincar. Estou tentando com alguns amigos fazer um manual de brincadeiras. A criança não sabe mais jogar barra bandeira, queimada, amarelinha. A gente brincava na rua. A gente só precisava de um pedaço de rua e um carvão para riscar a amarelinha para se divertir”, completou. “Estou com esperança nesse decreto que proíbe o celular nas escolas. É a grande chance de pelo menos no recreio resgatar essas brincadeiras. Porque o divertimento através do celular é individualizado”, observou.

Sobre seus próximos livros, informou que tem quatro romances começados. E falou sobre um deles: “Memórias póstumas de uma anônima. A personagem principal está no caixão morta e não tem ninguém no velório, porque é véspera de São João. E aí ela resolve escrever um livro. Eu brinco com algumas questões estranhas e diferentes que estão aparecendo no mundo literário. Queria fazer um livro que desse um escândalo, fosse proibido, censurado, porque aí vendia muito e eu ficava tranquila, só acabando de escrever os outros”.

Maria Valéria Rezende integrou a direção nacional da Juventude Estudantil Católica e, após o golpe de 1964, abrigou em sua casa militantes que lutavam contra o regime militar. Entrou para a Congregação de Nossa Senhora – Cônegas de Santo Agostinho em 1965. Graduou-se em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de Nancy e em Pedagogia pela PUC-SP. Fez mestrado em Sociologia na Universidade Federal da Paraíba. Na década de 1960 começou a trabalhar com educação popular, atuando em diferentes regiões do país e em todos os continentes, em programas de formação de educadores. Viveu no sertão de Pernambuco, em Recife e Olinda de dezembro de 1972 a 1976. Mudou-se para a Paraíba em 1976, morando no Brejo Paraibano e, desde 1988, em João Pessoa.

Estreou na literatura em 2001, com o livro “Vasto Mundo”. Ganhou o Prêmio Jabuti de 2009 na categoria literatura infantil com “No risco do caracol”, em 2013, categoria juvenil, com “Ouro dentro da cabeça” e em 2015 nas categorias romance e Livro do Ano de Ficção, com “Quarenta dias”. É uma das idealizadoras do coletivo literário feminista Mulherio das Letras.

O programa Destaquepb é comandado por Lenilson Oliveira e Linaldo Guedes, com participação de Suenya Souza. Vai ao ar todos os sábados, às 14h, na Rádio Alto Piranhas de Cajazeiras.

 

Confira a íntegra da entrevista no canal do programa no youtube, AQUI

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