Sociólogo homenageado no Prêmio Jabuti diz que país criminaliza trabalhadores

“O Brasil é um país especializado em criar uma classe trabalhadora permanentemente fragilizada”. A conclusão é do sociólogo José de Souza Martins, homenageado da 2ª edição do Prêmio Jabuti Acadêmico, que ocorrerá em agosto. “Desde a ditadura militar, o que se faz no Brasil é no sentido de calar a boca da população. Aqui ainda se quer uma classe trabalhadora que seja dócil, que não reclame”, avaliou.

Reconhecido nacional e internacionalmente pelo seu trabalho, Martins foi anunciado Personalidade Acadêmica do prêmio deste ano pelo conjunto de sua obra sociológica e por sua contribuição à compreensão dos fenômenos sociais contemporâneos. Ele é professor titular aposentado de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), tendo recebido o título de Professor Emérito em 2008.

Segundo o pesquisador, os movimentos sociais foram calados, perseguidos e reprimidos ao longo da história do país. Além disso, os trabalhadores que lutam por direitos acabaram criminalizados. “O protesto social existe para poder viabilizar a sociedade. Aqui no Brasil se criminaliza a esquerda, na verdade, são várias esquerdas. A esquerda é necessária, ela é fruto do nascimento da sociedade moderna. É ela que fala por aqueles que não estão no poder. É ela que apresenta o protesto”, disse, em entrevista à Agência Brasil.

“Essa é uma sociedade capitalista, esse é o nome dela. Não é crime ser capitalista. Crime é explorar indevidamente o trabalhador sem repartir com ele os resultados do trabalho que ele fez”, acrescentou. O sociólogo ressalta que, ainda hoje, há a ocorrência de escravização no Brasil. “É um fenômeno anormal, absurdo, descabido”, disse o pesquisador.

Durante 12 anos, ele atuou como representante das Américas na Junta de Curadores do Fundo Voluntário da Organização das Nações Unidas (ONU) contra as Formas Contemporâneas de Escravidão, em Genebra (1996-2007). Em 2002, coordenou, de forma voluntária, uma comissão da Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça que elaborou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e Escravo.

Martins caracteriza a sociedade brasileira como violenta, o que teria origem justamente em uma formação escravagista. “Somos um povo muito violento. A consciência social encobre uma disponibilidade espantosa para a violência. Não só os maus são violentos, os bons também são”, avaliou, citando como exemplo sua pesquisa sobre linchamento no Brasil.

“[A sociedade moderna] nasceu errada desde o começo, foi uma sociedade baseada em vários tipos de escravidão, a escravidão indígena e a escravidão negra, africana, um pouco mais tarde. O Brasil é um país que foi criado em cima do pressuposto de que uma parte do gênero humano não é humano. O escravo era tratado como coisa, ele não era tratado como gente”, disse.

Para avançar no sentido de um desenvolvimento econômico aliado ao desenvolvimento social, Martins avalia que é necessária a mobilização da população e a participação ativa dos movimentos sociais.

“Nós temos que questionar a picaretagem religiosa. Nós temos que questionar o que querem fazer conosco. Manipulam a religião do povo. Manipulam a consciência do povo. Vendem como heróis pessoas que deveriam estar na cadeia”, disse.

Para o sociólogo, é fundamental que a população tenha consciência crítica sobre o que está acontecendo no país. Ele menciona a condução da crise sanitária durante a pandemia.

“O fato de até agora não se ter julgado a questão do equívoco na vacinação contra a covid nem responsabilizado devidamente as pessoas é um absurdo. Centenas de milhares de pessoas morreram em consequência dessa irresponsabilidade. Não tem cabimento. Não pode ter cabimento”, finalizou.

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