A poesia sem freio de Sérgio de Castro Pinto – Por Linaldo Guedes
Dia desses fiz em meu perfil no Facebook uma postagem sobre 34 livros que me influenciaram de alguma maneira em algum momento de minha vida. Entre clássicos nacionais e internacionais, o único livro de autor ainda vivo que citei foi “O cerco da memória”, do paraibano Sérgio de Castro Pinto. Lançado em 1993, o livro realmente foi um marco em minha trajetória como leitor de poesia. Foi uma época em que eu e meus amigos do Poecodebar estávamos descobrindo a poesia contemporânea. Na Paraíba, alguns nomes despontavam, como Sérgio de Castro Pinto, Políbio Alves e José Antônio Assunção. Diria que minha relação com Sérgio de Castro Pinto e sua poesia começou por essa época.
Sérgio tinha uma coluna dominical no Correio da Paraíba e era um dos poucos autores que divulgava a poesia dos novos talentos que surgiam na época. Pouco tempo depois, passei a ter um convívio mais próximo com ele. Foi quando trabalhei no jornal A União e Sérgio sempre aparecia por lá, para levar o material do Correio das Artes. Eu, invariavelmente, recebia o material e o encaminhava para a digitação. E sempre conversava um pouco com Sérgio, que de vez em quando me provocava: – Está na hora de publicar seu primeiro livro, poeta! Um dia publiquei – Os zumbis também escutam blues (título do livro) – e nele incluí o poema “Resgate”, dedicado a Sérgio de Castro Pinto, um dos poucos poemas meu com dedicatória.
Um tempo adiante, virei editor do Correio das Artes. Ainda no início da minha gestão, participei de um encontro etílico com grupo de poetas, onde alguém fez críticas a poesia de Sérgio de Castro Pinto em tom que me assustou. Jovem, ainda, fiquei indignado com o que ouvi e fiz uma crônica que publiquei no Correio das Artes, mas sem citar os nomes reais das pessoas citadas na conversa. Acordei no domingo com um telefonema de Sérgio para minha casa, no Solar dos Guedes. Embora seu nome não tivesse explícito em meu texto, Sérgio sabia que era ele e sabia também quem era a pessoa que o criticava: – Neguinho, o que foi isso nessa sua crônica no Correio das Artes? Comecei a lhe explicar e ele me interrompeu com uma elegância que até hoje não encontrei igual entre escritores contemporâneos: – Neguinho, deixa isso pra lá. E deixei, claro.
Corte para 2025!
Chega em minhas mãos o livro “Breves dias sem freio”, publicado pela editora Patuá. O livro reúne poemas escolhidos de Sérgio de Castro Pinto publicados em diversos livros seu, entre 1967 e 2024. Nele estão clássicos como “poeta x poema”, “as cigarras”, “sobre o medo” e, claro, “atos falhos”, que li pela primeira vez no livro “O cerco da memória”:
sequer os ensaio
mas os meus atos
falhos
encenam-se assim:
eles já no palco
e eu ainda
no camarim.
O livro é dividido em várias partes. Começando com tributos, depois Circunstâncias & desabafos, viventes, a minha fala dos bichos, além de poemas dos livros “A Flor do Gol”, “Zoo imaginário”, “O cerco da memória”, “Domicílio em trânsito”, “A ilha na ostra” “Gestos lúcidos” e inéditos.
Sobretudo, “Breves dias sem freio” afirma e reafirma a importância da poesia de Sérgio de Castro Pinto para a literatura contemporânea nacional. Um dos melhores em atividade e que, com certeza, se morasse no eixo Rio-São Paulo seria tão consagrado quantos muitos talentos que já se foram. Já tentaram reduzi-lo a poeta minimalista. Tolos! Coisa de quem não percebe a grandeza de uma poesia que vê além e aquém dos nossos olhos de pobres mortais. Em texto que publiquei em meu livro “Receitas de como se tornar um bom escritor” disse que Sérgio era cristal entre poetas. Era não. Continua sendo. Poucos poetas são tão talentosos, coerentes e múltiplos na escolha dos temas, dos versos, do vocabulário! Um paraibano tão universal que vamos demorar a encontrar outro!