Censura terceirizada – Por Alexandre Costa
O desfecho do julgamento no STF da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, hoje já com maioria formada pela sua inconstitucionalidade, reacendeu o debate sobre a desvirtuação e regulação do uso das redes sociais. Uma espécie de terra sem lei onde se proliferam e se manifestam por todo o mundo os instintos mais primitivos do ser humano, que vão desde a indução ao suicídio, manifestação de ódio, fraudes, golpes, guerrilhas ideológicas, pedofilia e pornografia infantil, até a violência contra crianças e adolescentes.
Este ambiente virtual hostil está fielmente retratado na série britânica “Adolescência”, disponível na plataforma de streaming Netflix, onde um adolescente de 13 anos é preso acusado de assassinar a sua colega de classe. Um thriller impactante que aborda as falhas e impotência da sociedade ao lidar com jovens imersos em ambientes tóxicos das redes sociais, que envolvem cyberbullying e masculinidade tóxica, expressa na ideologia Incel, que adota uma radicalização online na defesa de um extremismo misógino.
No Brasil, este drama vem escancarado num estarrecedor estudo elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que traça um diagnóstico da violência nas escolas no mundo digital: a partir de 2019, foram registrados 29 ataques a escolas, de 2001 a 2018 foram 10. Nos últimos 4 anos, quase que quintuplicaram as postagens com ameaças a escolas, professores, alunos e diretores.
O julgamento do STF mira as plataformas digitais, as chamadas big techs, que hoje são blindadas de punições pelo artigo 19 por postagens de conteúdos ilegais, teor ofensivo, extremistas e excessivamente violentos, sendo somente responsabilizadas civilmente por danos de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial, não tomarem as providências para retirar o conteúdo.
Na verdade, o STF, ao tentar corrigir estes desvirtuamentos, tornando inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet, passa para as plataformas digitais a obrigação de julgar e excluir conteúdos ilegais sob pena de sanção. Instala-se no Brasil a prática da “censura terceirizada”. A partir de agora, as big techs, dentro de um nebuloso critério de responsabilização proativa, encarregar-se-ão, a seu arbítrio, de remover postagens que entendam como desinformação ou ofensas.
É evidente que o Marco Civil da Internet, criado em 2014, precisa de uma atualização e novo regramento para coibir desvirtuamentos no ambiente digital. O que se questiona é por que estas alterações não estão sendo discutidas e aprovadas democraticamente no Congresso juntamente com a sociedade civil organizada e sim por um tribunal?
Entendo que são reflexos dos tempos estranhos que vive o Brasil hoje, onde o executivo perdulário, já em regime de pré-insolvência, não consegue equilibrar as contas públicas e o legislativo se apequena com barganhas mercenárias para capturar do orçamento federal as amorais emendas secretas, se omite, deixando espaço para um judiciário partidarizado, livre para usurpar competências de outros poderes dentro do exacerbado ativismo judicial que já praticam.