O crime organizado se reinventa – Por Alexandre Costa
O que se esperar de um país onde cerca de 26% de sua população, algo em torno de 60 milhões de pessoas, vivem sob o total domínio e dependência social e financeira de facções criminosas, onde o Estado tem que literalmente pedir autorização para adentrar áreas controladas pelo crime organizado, hoje cognominado com um neologismo pomposo de Governança Criminal?
Esta é a dura realidade retratada num recente estudo divulgado, em agosto passado, pela prestigiada revista britânica Perspectives on Politics da Cambridge University Press, denominado: “Governança Criminal na América Latina: Prevalência e Correlatos”.
São números alarmantes e vergonhosos que atestam que um em cada quatro brasileiros vive submetido a regras de facções que catapultaram o Brasil para a liderança folgada da chamada “Governança Criminal” na América Latina, superando países como a Costa Rica, Equador e Honduras, México, Panamá e El Salvador. Somente nesta região existem algo entre 70 a 100 milhões de pessoas que vivem sob Governança Criminal, na verdade um Estado paralelo que supre a ausência do Estado de direito. E uma grande revelação: não são os países mais pobres ou corruptos com maior índice de governança criminal, e sim os países relativamente desenvolvidos como o Brasil, México, Colômbia e Costa Rica.
No Brasil, estas organizações criminosas originaram-se no fim dos anos 1970, quando assaltantes de bancos foram presos junto com guerrilheiros de esquerda no presídio de Ilha Grande (RJ). A “troca de experiências” resultou na ampliação e sofisticação do modus operandi da prática criminal que hoje se expandiu em mais de 80 facções espalhadas por todo o país, que movimentaram somente em 2023 a bagatela de R$ 348 bilhões.
O crime organizado se reinventou. Reavaliou e implantou novos conceitos e processos, redefinindo sua governança criminosa em grupos que controlam roubos, assaltos, postos de combustíveis de fachada, bancos para lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, um verdadeiro “conglomerado empresarial” que impõe ordem e disciplina ao longo de toda sua atividade e em seus territórios ocupados. Não foi apenas o nome que mudou; a presença criminal se transformou em uma poderosa e eficiente governança ativa, que substituiu com eficácia as obrigações básicas do inoperante e carcomido Estado brasileiro.
A magnitude e ousadia da Governança Criminal brasileira ficaram escancaradas com a recente Operação Carbono Oculto, realizada em São Paulo, na avenida Brigadeiro Faria Lima, centro financeiro do país, que investiga um esquema bilionário de sonegação fiscal e fraudes que envolvem bancos, fundos de investimentos e a lavagem de dinheiro em toda a cadeia do combustível que envolve postos de combustíveis, distribuidoras, terminais e transportadoras.
Esta operação é a prova cabal de que o crime organizado migrou para a chamada economia formal. Assalto a banco com rifle e fuzil, com confronto com a polícia, ou mesmo tráfico de cocaína, isso é uma atividade arriscada e de baixa rentabilidade, e aos poucos vai ficando de lado. Depois da economia formal o próximo passo é se infiltrar na política, elegendo em larga escala seus membros em cargos públicos para defender seus “interesses”. Um acinte!
Neste mesmo estudo, a Cambridge Press revela algo estarrecedor: não é a ausência do Estado que gera esta situação, e sim uma coexistência incestuosa entre o Estado e o crime organizado. Hoje, no Brasil, já temos provas disso.