O último milagre de Frei Damião – Por Linaldo Guedes

A recente exibição de “Frei Damião, o Santo do Nordeste”, na sala de Cinema Marcélia Cartaxo, em Cajazeiras, me levou a lembrar de um tempo em que as redações de jornais funcionavam de forma diferente comparado aos tempos atuais.

Era um tempo em que a internet nas redações paraibanas ainda estava começando. No jornal A União, onde eu trabalhava na época, havia apenas um computador, que era utilizado para fazer a primeira página e edições especiais, como o Correio das Artes. Não se usava o Google para tudo, como hoje é regra e faz com que todo mundo se torne o melhor articulista com a prática do copiar e colar. Inteligência Artificial, nem pensar!

O noticiário nacional e internacional chegava, ainda, via telex ou agências de notícias, como a France Press ou o Estadão, Folha, Globo. Além da televisão e do rádio, claro.

Eu era Chefe de Reportagem de A União, que tinha como superintendente Nonato Guedes, grande apaixonado pelo jornalismo e pelo “furo”, hoje tão ignorado por sites que repetem um ao outro sem buscarem informações novas para os leitores. Como em todo jornal, preparávamos antecipadamente o obituário de personalidades famosas que já estavam nos estertores da vida. Assim, o obituário de Frei Damião já estava praticamente pronto antes de sua morte, mas era material suficiente para ocupar duas páginas de jornal no máximo.

No dia 31 de maio de 1997 veio a confirmação da morte de Frei Damião, ocorrida no Real Hospital Português do Recife. Ao saber do ocorrido, Nonato me chama em sua sala e determina que a gente teria que fazer um caderno especial sobre a história de Frei Damião, um caderno com no mínimo oito páginas.

Como disse, não existia o Google. Então, sai da sala da diretoria para o setor de arquivo do jornal. Lá, começamos (com a ajuda de Luzia, José Ramos, Denise e Cida, que cuidavam do setor com muita eficiência e zelo) a pesquisar tudo que fosse possível sobre Frei Damião. Em jornais antigos, em fotos de arquivo, em revistas velhas… Foi uma pesquisa que envolveu vários setores do jornal, enquanto o restante da redação estava produzindo as matérias corriqueiras do dia. Trabalhávamos com prazo, porque o jornal teria que estar nas bancas cedinho e as oficinas ficavam cobrando o material para sair a tempo.

A nossa sorte foi que apareceu no jornal Machado Bittencourt, que era uma espécie de Dom Quixote da imprensa paraibana. Cineasta, jornalista, fotógrafo, historiador, Machado era um faz-tudo, que hoje chamariam com o termo vazio de multimídia. Ele costumava viajar pelo interior paraibano em busca de matérias curiosas, que depois vendia para os jornais da capital. Fazia tudo: entrevistava, fotografava e depois redigia as matérias. Viajava, geralmente, em um carro tipo Variant, já fora de circulação. Pois bem, dono de um acervo de cerca de 200 filmes, documentários e reportagens, Machado se colocou à disposição para ajudar na produção do caderno especial. Ajudar é modo de dizer, porque na verdade ele acabou fazendo o caderno todo praticamente sozinho.

Depois, com o material em mãos, fui ao diagramador para a edição. Na época, depois da diagramação e edição ainda vinham a composição (a digitação dos tempos de hoje), paginação, revisão, emendas, fotolito, até chegar na impressão.

O certo é que conseguimos cumprir tudo dentro do prazo e antes de dez da noite estava tudo finalizado. No dia seguinte, A União foi um dos poucos jornais paraibanos a sair com um caderno especial sobre o frade capuchinho que mobilizou multidões em suas missões pelo Nordeste brasileiro. Dizer que foi o último milagre de Frei Damião é exagero, obviamente. Mas a imprensa nos tempos pré-Google e IA vivia desses milagres diários.

Em tempo: Frei Damião causaria outro milagre no último final de semana em Cajazeiras, quando o filme sobre sua história lotou a sala de cinema em duas sessões diárias na sexta, sábado e domingo. Para lembrar o tempo em que a cidade tinha três salas de exibições de filmes – Éden, Apolo e Pax, que viviam lotadas.

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