Os fora da lei – Por Alexandre Costa

A recente sequência de absurdos cometidos pelos nossos poderes constituídos contra a sociedade brasileira nos leva sempre àquela angustiante pergunta que carregamos no nosso mais profundo íntimo: o Brasil ainda tem jeito?

A lambança da PEC da Blindagem de políticos criminosos; a lei que desfigura os princípios basilares da Ficha Limpa; as abjetas emendas parlamentares que sepultaram a Lei da Transparência demonstram friamente que faz sentido este nosso temor.

Será que os nossos políticos se inspiraram no Gerson, o nosso célebre meio-campista da Seleção Brasileira da Copa de 70, que se notabilizou com a frase “gosto de levar vantagem em tudo” ao fazer um comercial de cigarro? A mensagem da publicidade residia em você consumir um produto de qualidade por um baixo preço, só isso.

Ocorre que a deturpada máxima do Gerson se transformou de um simples bordão facilmente absorvido pelo inconsciente coletivo dos brasileiros em uma prática corriqueira, uma verdadeira “cultura” que atropela todas as normas de civilidade e ética do nosso convívio social e respeito ao nosso ordenamento jurídico.

A “lei do Gerson” não só se enraizou no cidadão comum, mas também no topo das instituições brasileiras, que se transformaram em castas, compostas de verdadeiros fora da lei, que tentam se blindar de possíveis ações criminais comuns, atuando em benefício próprio, definindo os seus próprios salários, aposentadorias, regalias, criando normas e resoluções que adulteram a lei e estupram a nossa constituição.  

Da lavra do deputado Celso Sabino (União Brasil), a famigerada PEC-03/2021 (PEC da Blindagem) estabelece uma anuência prévia do Congresso, por meio de votação secreta, para que o STF processe deputados e senadores. Um gritante retrocesso que extingue a Emenda Constitucional 35, que veda exatamente estas prerrogativas congressuais.

Mas, afinal, o que leva o Brasil a retroagir em leis que garantem seus avanços e conquistas praticamente consolidadas? Isto não somente ocorreu com a PEC da blindagem, está ocorrendo agora com mudanças na Lei da Ficha Limpa, que propõem reduções no tempo de inelegibilidade. Aprimoramento ou casuísmo?

Um casuísmo nefasto que afronta uma das mais legítimas manifestações do povo brasileiro, expressa num movimento popular que reuniu 1,6 milhão de assinaturas, resultando na Lei Complementar n°135/2010 (Lei da Ficha Limpa), criada para combater a corrupção eleitoral.  

As fortes manifestações de rua contrárias à tentativa de aprovação da abjeta PEC da Blindagem podem representar um ponto de inflexão na indolente postura da sociedade civil diante de fatos que a agridem e a anulam. A pressão das ruas surtiu efeito. A PEC da Blindagem foi arquivada no Senado por unanimidade na mesma semana das manifestações, enquanto a Lei da Ficha Limpa aguarda no Congresso avaliação dos vetos presidenciais.   

O recado das ruas foi dado para os fora da lei que insistem em legislar em causa própria, afrontando o direito dos cidadãos e o Estado Democrático de Direito.

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