Os mil tons de Milton – Por Linaldo Guedes
Como todo jovem que foi adolescente nos anos 1980, a primeira música de Milton Nascimento que me encantou foi “Coração de Estudante”. Estávamos na luta pela redemocratização do Brasil quando a canção explodiu nas paradas de sucesso. Época das Diretas Já, com comícios em todas partes do país tendo essa música como trilha sonora. Assisti um, inclusive, na Lagoa do Parque Solon de Lucena em João Pessoa. A letra fala de liberdade e fé na juventude.
Lançada como parte da trilha sonora do documentário “Jango”, de Sílvio Tendler, a melodia teria chamado a atenção de Milton Nascimento, que resolveu compor uma letra em cima do arranjo feito por Wagner Tiso. Conta a história, que Milton criou os versos inspirado na morte do estudante Edson de Lima em 1968, em decorrência das repressões da ditadura militar. A música foi um sucesso e ficou marcada também nas notícias sobre a morte de Tancredo Neves, então eleito de forma indireta presidente do Brasil.
Outra canção de Milton que me marcaria muito foi “Travessia”, feita em parceria com Fernando Brant e na verdade o primeiro grande sucesso do artista, ainda de meados dos anos 1960. Já a conhecia, mas foi a partir da morte de meu pai, em 1989, que ela entrou também como trilha sonora da minha vida. Principalmente os versos iniciais:
“Quando você foi embora
Fez-se noite em meu viver
Forte eu sou, mas não tem jeito
Hoje eu tenho que chorar”
Não tinha como não ligar esses versos a situação que vivíamos na época. Foi a primeira grande perda da nossa vida, mas que nos preparou um pouco para outras perdas que teríamos no futuro. E Milton estava lá, cantando para a gente soltar a voz nas estradas.
Depois fui atrás de conhecer mais esse artista tão múltiplo, de “mil tons”, como definiria Caetano Veloso na canção “Podres Poderes”. E descobri os tambores de Minas, nas suas músicas. Na verdade, descobri a originalidade de Minas Gerais através das canções de Milton. E quis conhecer aquele estado, coisa que já fiz por três oportunidades, na capital e em algumas cidades do interior mineiro. E vejam só, que ironia: coube a um carioca, no caso Milton Nascimento, fazer me apaixonar por Minas Gerais.
Milton Nascimento é um artista completo, consagrado hoje em boa parte do mundo. Um dos melhores nomes da nossa MPB de todos os tempos. E com uma voz única, a minha preferida de todos os cantores ainda vivos no país hoje. Seu currículo e sua trajetória artística atestam tudo isso que venho falando neste texto. E tudo que muitas pessoas vêm falando sobre ele.
Uma curiosidade: Bituca é o apelido de Milton Nascimento, como todos sabemos. Ele ganhou esse apelido ainda criança, por sempre fazer um grande bico quando está contrariado. Pois é… Hoje somos nós que estamos a fazer bico, contrariados que estamos com o estado de saúde desse menestrel da música brasileira.
