A saga de um povo que não se cansa de ser épico

Políbio Alves é um autor premiado nacionalmente, traduzido em países como França e Cuba, numa trajetória ímpar que não faz concessões a igrejinhas literárias. No mais das vezes, busca manter sua própria coerência literária, sem abrir mão de suas convicções. Sem abrir mão de seu talento, acrescentaria. Silenciosamente, vem construindo uma trajetória poética com pontos altos, acima da média, a exemplo de “Varadouro” e “Exercício Lúdico”. Agora ele chega com o primeiro livro da Editora Arribaçã, intitulado “Acendedor de relâmpagos”.

É um livro épico, como épica tem sido a poesia de Políbio Alves. A saga de Antônio Lavrador, do camponês, a saga de nossa gente, de nosso país, sempre a ser explorado pelo que vem de fora. Uma narrativa de fôlego que traz de volta o Políbio de “Varadouro”, num texto lírico, mas também forte, explícito, dolorido. Não poderia ser diferente em um livro que começa com uma epígrafe de Derek Walcott, poeta das Antilhas, Prêmio Nobel de Literatura de 1992, autor de “Omeros”, um dos mais belos poemas de todos os tempos. “Isso era história. Eu não tinha poder para mudá-la. E, no entanto, ainda sentia que isso já havia acontecido antes”, diz a epígrafe.

E é isso que o leitor entende. O narrado nas páginas de “Acendedor de relâmpagos” já havia acontecido antes e nem temos esperança de que não acontecerá mais. Essa impressão é reforçada a partir, também, da original seção de epígrafes da obra. Com trechos de livros e obras de autores como Castro Alves, Eduardo Galeano, Darcy Ribeiro, James Joyce, José Saramago, Eugênio Montale, Júlio Cortázar, Federico García Lorca, Karl Marx, Arthur Rimbaud, Oswald de Andrade, Jorge Amado e Raduan Nassar, entre outros. Revolucionários da linguagem e da forma de pensar o mundo, a sociedade, o homem, sobretudo.

“Acendedor de relâmpagos” começa com um “Oráculo”, como se o poeta quisesse dar a nós, leitores, a resposta para tudo que se desenrolará nas páginas do livro. E aí, das vísceras da lavoura, surge Antônio Lavrador, fadado a ser enterrado numa cova rasa, a ter o corpo tombado por qualquer tocaia com o aval latifundiário, como diz o poema. Afinal, desse lado do Equador a morte é imposta ao camponês e os buracos ficam insepultos à beira de estrada.

Essa sina não é de agora. Vem desde quando a chegada intempestiva das primeiras caravelas, alerta o poeta. Até mesmo em pequenas províncias, como a Baía de Acaîutibiró, que depois se tornaria Baía da Traição, após sangrento conflito entre os portugueses e os potiguaras, para findar na Capitania da Parahyba. Tudo narrado na obra de Políbio, com ritmo, com fôlego, com lamento. Como um interstício até a volta da saga camponesa. Até o retorno dos encarapuçados que rondam e metralham lavouras:

“Das capitanias

Hereditárias

a historiografia

da Reforma Agrária,

nosso solo permanece espólio

do investidor estrangeiro”.

Os “Prenúncios”, na segunda parte da saga, anunciam os acontecimentos tristes que virão. É “sob o relicário do sertão/ extermínio e sagração”. Neste roteiro, sobram emboscadas, floresce a embolia agrária, a morte bruta, dores que nem mesmo quando a lavoura é farta se ameniza. Até porque a partilha com o feitor continua, a tessitura das oligarquias é mantida e verdejam também os astutos, os tributos.

“Quíron”, a terceira parte da obra, busca trazer uma resposta, se não pela lógica, mas pela palavra, pela poética. Neste sentido, o poema “Amanhecência” é síntese da força, da importância, da grandeza épica de Antônio Lavrador. Para Políbio Alves, “o poeta resgata o pré (texto)/ da impactante idiossincrasia/ sobre o inusitado da poesia”. Que a poesia de Políbio nos salve e acenda os relâmpagos da indiferença humana à sagas como a narrada nesta necessária obra. Sim, a Editora Arribaçã tem a honra de começar com o pé direito, com a força épica, lúdica e lúcida da poesia de Políbio Alves.

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